sexta-feira, março 8

Olhei.
Ali estavas tu. Quem diria?
Sentada nas escadas, escondidas a um canto. O único espaço vazio naquela casa cheia de nada.
Cheirava a tabaco, e tudo mais que pudesse vir de alguém que não fumasse. Palavras doidas a correr no ar. O cheiro sufocava, mas era ali que te sentias bem. Ao pé de toda a gente, exilada do mundo. Nunca percebeste o porquê daquela satisfação de exclusão, mas tinhas-te habituado à vida que escolheste depois de eu morrer. Eu também nunca percebi.
Boas
(Silêncio)
Há muito que não te via. Como vais?
(Silêncio)
Desconhecia que o passado te tinha tirado muito do que tinhas, incluindo a voz?
Do presente só espero o que não me podes dar
, disse ela.
No passado esperaste que eu te desse até a minha vida.
(Silêncio)
Vais querer alguma coisa?
Vodka. Negro.
Negra é a recordação do passado, que continua a perseguir-te até hoje.
Quatro pedras de gelo.
Se o teu coração caísse do teu corpo, gelava não só a tua bebida, como a minha. Como tiveste a coragem de me fazer o que fizeste? Deixaste me morrer por um amor onde tu nunca amaste. Não desisti de te amar, mesmo quando me traíste! Mas conseguiste pior que me matar.
O medo de tudo e o desejo de nada. A gratificação não entregue e a força de vontade para ser o que nunca tinha sido. Fui realmente o que queria ser. Tive tudo na mão. Controlei. Fui Deus. E não me arrependo. Nos olhos dela não havia qualquer mágoa.

(Estava escrito aos anos. Um dia pego nisto e termino. Agora que reparo, separam exactamente três anos o último post do penúltimo. Mas para hoje foi demasiado para recordar.)

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